Reprise

Desta vez, fui egoísta. Pensei apenas em nós. Há muito tempo que queria agradecer-te publicamente tudo o que me deste. Se estou à espera da melhor ocasião, nunca o farei. Graças a ti, não sou a mesma após os quase 8 anos de vida em comum e as inúmeras visitas relâmpago. Segue-se uma declaração de amor. Em prosa. Porque a vida já é um poema.
Estás suja. Ficas ainda mais cinzenta e triste nos dias de chuva. E isto para não falar na neve! Basta um fino manto branco para que caminhar nos teus passeios se transforme num pesadelo. Abrigas ratos, baratas e pulgas nas tuas catacumbas. As tuas casas são escandalosamente caras e ridículas de tão pequenas. Não tens vergonha?! Parece que estamos no Japão, mas sem a ordem e a higiene imaculadas. E são, precisamente, os habitantes do sol nascente os que mais sofrem com a arrogância dos que em ti vivem e trabalham. Sem tempo, sem paciência, sem vontade.
És a rainha do chique, o apogeu do glamour. Vaidosa, snob e imponente. Única guardiã da torre Eiffel e do Louvre. O relógio do museu d’Orsay deixou há muito de dar a hora certa. Pormenor sem importância. Até porque os comboios já não circulam por esses lados. Os Champs-Elysées resistem ao tempo, mas a sua luz esmoreceu, perdeu o brilho. Tu não te importas e ris-te dos que se ficam pelas artérias que aparecem nos guias turísticos e não conhecem os teus tesouros escondidos. Desafias os mais intrépidos a descobrir o invisível aos olhos dos distraídos: as vilas dentro da cidade.
Chegaste à minha vida tarde, mas és, sem dúvida, a favorita. Antes de ti, Lisboa, Porto, Viana do Castelo, Madrid, Barcelona, Londres, Bolonha, Veneza, Florença, Berlim, Genebra, Nova Iorque, e tantas outras desempenharam, na perfeição, o papel da bem amada. Um amor brando, sem sobressaltos. Contigo foi diferente. Não resisti ao coup de foudre. São poucos os que ficam indiferentes. Uns adoram-te, outros detestam-te. És tudo ou nada. Não fazes as coisas pela metade. Que nem uma mulher fatal disfarçada de senhora da alta burguesia!
Tal como tu, também eu adoro os parisienses. Os genuínos. Aqueles que em ti nasceram e os outros que adotaste como se fossem teus filhos legítimos. Dos que contam as histórias da Lutetia dos romanos, habitada por pescadores que viviam nas margens do Sena. Dos que fogem dos turistas como se fossem a peste. Dos que se perdem nas tuas passagens secretas. Dos que se emocionam com a música barroca nas igrejas. Dos que bebem chá Mariage Frères ou Dammann. Dos que nunca entraram num centro comercial. Dos que alimentam o comércio de bairro.
Como quase todos os que te visitam também gosto de Montmartre, Marais, Saint Germain des Près e do Trocadéro, bairros típicos e incontornáveis. Os passeios nas ruas du Bac, de Rennes, du Commerce, Mouffetard, Bonaparte agasalham-me a alma nos dias mais frios. Ainda me recordo de caminhar até não sentir os pés ao longo da rua Vaugirard (a mais comprida), da Boulevard Raspail ou da avenida Foch (a mais larga). As praças Dauphine, Vosges e Victoire são paragem quase obrigatória cada vez que me escapo dois ou três dias. Percorrer os braços do Sena, perder-me nas ruelas da Île Saint-Louis, começar um livro no jardim Luxemburgo são os caprichos que não dispenso.
Deixei-te há uns anos, mas nunca me abandonaste. É kitsch, eu sei. Mas o amor não conhece tabus. Et moi, je t’aime Paris.
Filipa Moreira da Cruz
sì, la vita può essere poesia
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Viva la vita! Viva la poesia! Buona domenica Flavio!
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💜
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