Tão longe e tão perto

Reprise

Photo : KaDDD

Dedico este texto a todos os que ousaram sair da zona de conforto. Aos que voaram mais alto, mais longe. Aos que enfrentaram preconceitos, tabus e dogmas. Aos que viraram as costas ao medo e fizeram das suas fraquezas a sua força. Aos que hesitam entre as visitas à família e as férias no estrangeiro. Aos que falham natais, casamentos e batizados, mas que fazem das tripas coração para estarem presentes nos momentos mais difíceis. Aos que são poliglotas, mas continuam a sonhar na língua materna. Aos que pensam um dia regressar, mas sabem que nunca o farão.

Penso sobretudo nos que hesitam em dar o passo. Nos que ponderam os prós e os contras. Nos que já estão quase, mas ainda não estão. Aos quais falta pouco para lá chegarem. Nos que remetem para amanhã, pensando que ainda vão a tempo. E não me esqueço dos que voltam atrás (só os estúpidos é que nunca mudam de ideias). Dos que se arrependem de dar um salto maior do que as pernas (só os idiotas é que raramente se enganam). Dos que engolem o orgulho e regressam ao país que os viu nascer. Sem mágoa nem arrependimento.

Há um luso em cada canto do mundo. Portugal é o berço de exploradores, aventureiros, destemidos e curiosos. As mais variadas razões levaram-nos a procurar lá fora o que não tínhamos cá dentro. Exílio político para uns, melhores condições de vida para outros. Ambição profissional para tantos. Ou vontade de viver além fronteiras, pura e simplesmente. Faço parte destes. Todos iguais, mas todos diferentes. Expatriados. Na mala levamos determinação, vontade e sonhos. No país que nos acolhe sentimo-nos, às vezes, desajustados e com saudades de tudo o que não foi (como escreveu Pessoa). A pátria está longe e a terra onde vivemos não é a nossa. E talvez nunca venha a ser.

Dizem que somos quase três milhões, mas é impossível determinar o número exato. Todos os dias há fluxos de entradas e saídas. Já vivi em cinco países diferentes e, ao longo das inúmeras viagens, encontrei compatriotas nos locais menos prováveis. Portugal é o segundo país da Europa com maior número de emigrantes. Durante muito tempo, no velho continente, França foi o lar da maioria e Canadá e Estados Unidos desempenharam essa função no outro lado do Atlântico.

A crise de 2008 veio mudar o panorama. Nessa altura, o país desresponsabilizou-se, forçando muitos a encontrar casa no Reino Unido ou em Espanha e colocando o Luxemburgo e a Suíça de novo na lista das preferências. Itália também faz parte dos novos destinos. Por outro lado, Angola deixou de ser a galinha dos ovos de ouro. Revezes da fortuna. Ainda assim, os emigrantes lusos são os que mais dinheiro enviam ao país de origem. Uma mais-valia para a economia nacional, nem sempre paga na mesma moeda.

Durante várias décadas, os emigrantes abalavam nas pontas dos pés, sem fazer barulho. Aceitavam tudo o que lhes era imposto de ânimo leve (?). Não dominavam os números nem as letras, mas não tinham medo do desconhecido. Dormiam em qualquer lado e falavam a língua materna às escondidas. Trabalhavam de sol a sol por uma ninharia. Sentiam-se gratos pelo pouco que tinham porque já era muito mais do que alguma vez pensaram ter.

O mundo mudou e os emigrantes também. Deixamos de ter vergonha do que somos e de onde vimos. Trazemos na bagagem conhecimentos, diplomas, ideias, ousadia e sonhos. Lá fora, elogiam a nossa perseverança e dedicação. Mas deixar a pátria nunca é fácil. A vida não é um rio tranquilo. Ainda bem.

Filipa Moreira da Cruz
2020

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8 réflexions sur “Tão longe e tão perto

  1. This is enlightening and so well-written, Filipa. I’m glad you’ve had the chance to explore the world and experience so many different places and cultures. So many of us will never step foot outside our own native boundaries for whatever reasons. I’d love to explore but I know I never will. At least, through adventurers like yourself, we can experience the world one blog post at a time. 🙂

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