Reprise

– Senta-te Teresa. Vou contar-te uma história. A minha. Por favor, não me interrompas, senão não terei coragem de continuar.
Começou há muitos anos atrás, na aldeia onde nasci e conheci o meu único amor.
Os meus pais trabalhavam na quinta da família mais rica e importante da região. A nossa vida era modesta, mas nunca nos faltou nada.
Todos os dias, a seguir à escola, eu ia ajudar a minha mãe. Limpava, esfregava, arrumava. Com esmero e sem queixume. Antes de regressar a casa, a minha mãe preparava o lanche para os filhos dos patrões e eu estava autorizada a sentar-me à mesa com eles.
O Henrique era o mais velho dos dois. Sério, austero e um pouco prepotente. O António tinha um ano mais do que eu e era o sol nos dias de inverno. Bonito, simpático e cheio de vida. Faziamos tudo juntos: correr pelos corredores da grande casa, jogar às escondidas no jardim, esfolar os joelhos a subir às árvores, pescar trutas no rio. Durante a infância, sempre o considerei como o irmão que os meus pais não me conseguiram dar. O meu melhor amigo.
Na adolescência, percebi que o que sentíamos um pelo outro era mais que amizade. Recordo o nosso primeiro beijo nas traseiras da padaria da vila. As minhas pernas fraquejaram, o meu coração parecia voar. Foi o segundo melhor dia da minha vida. O primeiro foi quando tu nasceste Teresa.

Prometemos ficar sempre juntos. Mas o destino tinha outros planos para nós. E as nossas famílias também.
O Henrique já estava a estudar Medicina. E o António, que sempre sonhara em ser astronauta, também seria médico como o bisavô, o avô, o pai e o irmão. Casaria com uma rapariga de boa família e viviriam na capital. O seu caminho estava traçado, com régua e esquadro. Não havia espaço para « fantasias de adolescente » .
Quanto a mim, tive que implorar para frequentar as aulas noturnas de datilografia. Os meus pais não entendiam a minha obstinação em estudiar se, de qualquer maneira, iria trabalhar na quinta no dia em que a minha mãe deixasse de ter forças para o fazer. Não tive coragem de dizer-lhes que não era isso que queria para mim. Preferi fazer a mala e fugir para Lisboa para viver com uma tia. No dia seguinte de manhã, tudo o que os meus pais encontraram foi uma carta em cima da mesa da cozinha.
Em Lisboa, conheci a tão desejada liberdade! As festas, o primeiro cigarro, os namorados. Mas nunca deixei de pensar no António. Sabia que estava noivo de uma rapariga rica, mas ignorava tudo o resto.
Certo dia, vi-o, à saída do cinema Londres com um grupo de amigos. Os nosso olhares cruzaram-se apenas uns segundos, mas foi o suficiente para regressar ao primeiro beijo. A partir daí, encontrávamo-nos às escondidas no seu apartamento perto da faculdade de Medicina. O nosso amor ganhou asas e cresceu. Contra ventos e marés.
Quando o António soube que eu estava grávida jurou anular o noivado e tomar conta de mim e do bebé, mas ambos sabíamos que tal não aconteceria. Ele vivia com o dinheiro que os pais lhe enviavam. E assim que soubessem o que o filho tinha em mente deixariam de dar-lhe mesada.

Como em muitas histórias de amor, a nossa também não teve um final feliz. Regressei à vila com uma barriga proeminente e o coração aos pedaços. Os meus pais apressaram-se a encontrar-me um rapaz que aceitasse casar com quem carregava o bebé de outro.
Tive sorte. O teu pai era honesto e respeitador. Amou-te mesmo antes de tu nasceres. Foste desejada pelos dois, embora por razões diferentes. Para mim, eras fruto de um grande amor. Para ele, um milagre porque Deus não lhe permitira deixar descendência naturalmente.
Tinha notícias do António, ocasionalmente, mas nunca lhe escrevi nem o voltei a ver. Até há três anos. Ia a travessar a Avenida da Liberdade. Convidou-me para um café e eu aceitei. Falou-me nos dois filhos, os teus irmãos. E na mulher que morreu de cancro. Esta maldita doença não poupa ninguém! Nem mesmo os ricos! Perguntou-me por ti e porque nunca tinha respondido às suas cartas nem aos telefonemas. Limitei-me a dizer que o passado não deve ser remexido. Despedimo-nos com a certeza de que esta seria a última vez que nos veríamos. Chorei desalmadamente durante todo o trajeto do metro que me empurrou até à nossa casa.
Sabes que o tempo não está do meu lado Teresa e não queria partir com o peso deste segredo. Espero que, um dia, me possas perdoar.
Teresa envolveu o corpo magro e frágil da mãe e segredou-lhe:
– Gosto tanto de ti!
Maria do Carmo, fechou os olhos e abraçou o sono profundo.
Filipa Moreira da Cruz
Muito bem concatenada esta história de amor, que igual à maioria, não têm final feliz.
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❤️
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Filipa, me has dejado gratamente sorprendido. Has escrito una historia atrapante de principio a fin. Me emociona la trama y más aún porque conozco muchas calles de Lisboa como lo muestra tus fotos y también porque mi hijo tiene una familia portuguesa muy numerosa en Esposende. Bien por ti Filipa. Un punto más de admiración por ser quien eres: Puro talento. Buen domingo.
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Manuel, no imaginas como me han encantado tus palabras! ❤️ Me alegro mucho que te haya gustado la historia. Un abrazo.
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Tu talento es innegable. Que tengas una semana estupenda Filipa.
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🙏🏻💙
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Una storia molto bella.
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Grazie! Buona serata.
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What a beautiful, romantic story! The photos are lovely. I enjoyed this post, Filipa! ❤
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Thank you Cheryl! The story and the pictures were made in Portugal. Take care! 💚🍀
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Muito tocante a historia Filipa, irei maratonar seu blog! boa semana p ti!
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Obrigada Ed! Saudades suas.
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Saudades!!! 🥰
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O amor ficcionado ou real…dá sempre boas histórias. Mesmo quando impera o desencontro…
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É verdade Dulce! ❤️
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Lovely doors and alleyways. 😊
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As histórias de amor não precisam ter um final feliz. Os casais precisam serem felizes enquanto o amor é intenso, e no mesmo momento em que não poupam sacrifícios para duas pessoas estarem juntas.
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Concordo! Não acredito muito no amor eterno. Prefiro viver intensamente cada dia.
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Eu também!
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Oh, here we are my dear, Filipa. These are my lovely places, my lovely photos.
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Oh thank you dear Giannis! 💚💙 Have a wonderful evening.
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