Êxodo urbano

Reprise

Photo : KaDDD

Durante vários séculos, a população trocou o campo pela cidade em busca de melhores condições de vida. Quando a terra deixava de ser fértil, voltavam-se as costas ao verde e abraçava-se o cinzento da metrópole. A tecnologia e a indústria prometiam sucesso e prosperidade. Mas nem todos se deixaram seduzir pela vida urbana e há quem não troque a paz e o sossego do campo pelo bulício da cidade.

Sou uma citadina convicta e assumida. Gosto de cidades grandes. Sinto-me bem em Nova Iorque, Paris, Londres ou Berlim. Aprecio andar de metro, visitar museus, ler nos parques, percorrer largas avenidas. No entanto, fiquei feliz por ter passado os três confinamentos na cidade onde vivo que tem apenas 50.000 habitantes. Entendo o sufoco e a ansiedade dos que ficaram encurralados entre quatro paredes porque sei o que é viver num apartamento de 45 metros quadrados. Quando somos obrigados a partilhar, 24 horas por dia, um espaço tão exíguo, o charme da cidade desaparece, mesmo que tenhamos a sorte (como eu tive!) de viver a dois passos do Arco do Triunfo.

Desde o início da pandemia, 800.000 pessoas saíram de Paris e arredores e muitos ainda não regressaram à capital francesa. Instalaram-se em cidades mais pequenas, vilas e aldeias. Ou até mesmo em casas no meio do nada. Longe do ruído e da poluição. Situação semelhante ocorreu em Londres. No ano passado, 300.000 cidadãos abandonaram a capital inglesa e a procura de casas no campo aumentou 126%.

Photo : Filipa Moreira da Cruz

Muitas profissões podem ser exercidas à distância e o número de nómadas digitais tem aumentado exponencialmente. Nunca foi tão fácil trabalhar em frente ao mar ou à sombra de uma bananeira. Basta um computador e ligação à Internet! Que o digam Bali, Malta ou as ilhas Canárias. Portugal também faz parte dos destinos mais cobiçados. As empresas foram obrigadas a adaptar-se, rapidamente, à nova realidade e as capitais dos países mais desenvolvidos perderam centenas de habitantes.

Ainda é comum, entre as grandes empresas, enviar os seus quadros superiores a países distantes. Britânicos invadem Hong Kong, franceses apoderam-se do sudeste asiático, portugueses reconquistam o Brasil ou Angola. A aproximação das antigas colónias é algo natural. Os colarinhos brancos europeus (ou americanos) recebem salários chorudos, vivem em casas faustosas e as crianças frequentam colégios privados pagos a peso de ouro.

Photo : Paul Laurent Bressin

Mas este fenómeno pode estar em vias de extinção. Os nómadas digitais estão a revolucionar a realidade laboral. Instalam-se no campo ou na praia e vivem quase como os locais. Entre relatórios e reuniões à distância ainda há tempo para um mergulho no mar, uma sesta ou uma cerveja bem fresca. Relatos contados na primeira pessoa por aqueles que conheço que trocaram o céu cinzento de Paris e de Milão por uma ilha das Canárias onde já vivi e outras duas que conheço bem.

Mas nem tudo são rosas! Os nómadas digitais trazem alguns dissabores. O poder de compra destes trabalhadores estrangeiros é, muitas vezes, superior ao da população dos países que lhes estendem a passadeira vermelha e os recebem de braços abertos. Por um lado, os preços disparam. Para os locais, alugar ou comprar casa torna-se um pesadelo. Encher o carrinho das compras sai mais caro e os restaurantes passam a piscar o olho aos estrangeiros endinheirados. Por outro lado, a tão prezada tranquilidade tem os dias contados. O êxodo urbano mata o silêncio do campo e polui a praia mais paradisíaca.

Filipa Moreira da Cruz

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O meu bairro

Reprise

Saint-Servan, praia Bas Sablons, torre Solidor
O meu bairro é mágico e especial
Areia dourada, água esmeralda
Do dia para a noite a paisagem muda de cor
Jogo de contrastes
Espelho de segredos.

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz

Serenidade

Reprise

Percorro as ruas desertas da cidade
Um templo de paz e de serenidade
Subo colinas, ruelas e muralhas
Liberto-me das minhas antranhas
Abrigo-me nas suas artérias
Quem me dera regressar a estas férias!
Os jardins estão imaculadamente
Limpos e ordenados
Silêncio, que se vai cantar o fado?
Sinto falta do barulho, da confusão
Não sou capaz de ouvir o meu coração
Sonho ou realidade?
Pouco importa!
Estou apaixonada pela cidade.

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz

Paris, mon amour

Reprise

Cidade luz, capital do amor e do sublime
Nem sei por onde começar porque não quero que termine
Foste casa, brindaste-me com amigos
Ah e viste nascer os meus filhos!
Sempre que penso em ti fico desamparada
Este namoro dura há anos e eu sem ti sou quase nada.

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz

Porto como te quero

Reprise

Cidade invicta, no norte de Portugal
Gente autêntica, acolhedora e natural
No Porto sinto-me em casa, embora não gostem que diga que sou alfacinha
Guardo o segredo porque sei que também és minha.

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz

Saint-Malo

Reprise

Cité corsaire de onde saiu Jacques Cartier para o Canadá
Lugar que acolhe quatro estações num dia
Praia que invade a cidade
Ou cidade que engole a praia
Barcos que chegam e que partem
Pensei estar de passagem
Mas quando dei por mim já lhe chamava casa

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz

Paris…sempre!

Reprise

Photo : Filipa Moreira da Cruz

Desta vez, fui egoísta. Pensei apenas em nós. Há muito tempo que queria agradecer-te publicamente tudo o que me deste. Se estou à espera da melhor ocasião, nunca o farei. Graças a ti, não sou a mesma após os quase 8 anos de vida em comum e as inúmeras visitas relâmpago. Segue-se uma declaração de amor. Em prosa. Porque a vida já é um poema.

Estás suja. Ficas ainda mais cinzenta e triste nos dias de chuva. E isto para não falar na neve! Basta um fino manto branco para que caminhar nos teus passeios se transforme num pesadelo. Abrigas ratos, baratas e pulgas nas tuas catacumbas. As tuas casas são escandalosamente caras e ridículas de tão pequenas. Não tens vergonha?! Parece que estamos no Japão, mas sem a ordem e a higiene imaculadas. E são, precisamente, os habitantes do sol nascente os que mais sofrem com a arrogância dos que em ti vivem e trabalham. Sem tempo, sem paciência, sem vontade.

És a rainha do chique, o apogeu do glamour. Vaidosa, snob e imponente. Única guardiã da torre Eiffel e do Louvre. O relógio do museu d’Orsay deixou há muito de dar a hora certa. Pormenor sem importância. Até porque os comboios já não circulam por esses lados. Os Champs-Elysées resistem ao tempo, mas a sua luz esmoreceu, perdeu o brilho. Tu não te importas e ris-te dos que se ficam pelas artérias que aparecem nos guias turísticos e não conhecem os teus tesouros escondidos. Desafias os mais intrépidos a descobrir o invisível aos olhos dos distraídos: as vilas dentro da cidade.

Chegaste à minha vida tarde, mas és, sem dúvida, a favorita. Antes de ti, Lisboa, Porto, Viana do Castelo, Madrid, Barcelona, Londres, Bolonha, Veneza, Florença, Berlim, Genebra, Nova Iorque, e tantas outras desempenharam, na perfeição, o papel da bem amada. Um amor brando, sem sobressaltos. Contigo foi diferente. Não resisti ao coup de foudre. São poucos os que ficam indiferentes. Uns adoram-te, outros detestam-te. És tudo ou nada. Não fazes as coisas pela metade. Que nem uma mulher fatal disfarçada de senhora da alta burguesia!

Tal como tu, também eu adoro os parisienses. Os genuínos. Aqueles que em ti nasceram e os outros que adotaste como se fossem teus filhos legítimos. Dos que contam as histórias da Lutetia dos romanos, habitada por pescadores que viviam nas margens do Sena. Dos que fogem dos turistas como se fossem a peste. Dos que se perdem nas tuas passagens secretas. Dos que se emocionam com a música barroca nas igrejas. Dos que bebem chá Mariage Frères ou Dammann. Dos que nunca entraram num centro comercial. Dos que alimentam o comércio de bairro.

Como quase todos os que te visitam também gosto de Montmartre, Marais, Saint Germain des Près e do Trocadéro, bairros típicos e incontornáveis. Os passeios nas ruas du Bac, de Rennes, du Commerce, Mouffetard, Bonaparte agasalham-me a alma nos dias mais frios. Ainda me recordo de caminhar até não sentir os pés ao longo da rua Vaugirard (a mais comprida), da Boulevard Raspail ou da avenida Foch (a mais larga). As praças Dauphine, Vosges e Victoire são paragem quase obrigatória cada vez que me escapo dois ou três dias. Percorrer os braços do Sena, perder-me nas ruelas da Île Saint-Louis, começar um livro no jardim Luxemburgo são os caprichos que não dispenso.

Deixei-te há uns anos, mas nunca me abandonaste. É kitsch, eu sei. Mas o amor não conhece tabus. Et moi, je t’aime Paris.

Filipa Moreira da Cruz

Neve em Saint-Malo

Reprise

Saint-Malo vestiu-se de branco
E recebeu-nos envolta no seu manto
Coisa rara numa cidade que, por uma vez
Não vive ao ritmo das marés
Prefiro o sol, o calor e o mar
Mas fazer o quê? Aproveitar!

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz

Êxodo urbano

Photo : KaDDD

Durante vários séculos, a população trocou o campo pela cidade em busca de melhores condições de vida. Quando a terra deixava de ser fértil, voltavam-se as costas ao verde e abraçava-se o cinzento da metrópole. A tecnologia e a indústria prometiam sucesso e prosperidade. Mas nem todos se deixaram seduzir pela vida urbana e há quem não troque a paz e o sossego do campo pelo bulício da cidade.

Sou uma citadina convicta e assumida. Gosto de cidades grandes. Sinto-me bem em Nova Iorque, Paris, Londres ou Berlim. Aprecio andar de metro, visitar museus, ler nos parques, percorrer largas avenidas. No entanto, fiquei feliz por ter passado os três confinamentos na cidade onde vivo que tem apenas 50.000 habitantes. Entendo o sufoco e a ansiedade dos que ficaram encurralados entre quatro paredes porque sei o que é viver num apartamento de 45 metros quadrados. Quando somos obrigados a partilhar, 24 horas por dia, um espaço tão exíguo, o charme da cidade desaparece, mesmo que tenhamos a sorte (como eu tive!) de viver a dois passos do Arco do Triunfo.

Desde o início da pandemia, 800.000 pessoas saíram de Paris e arredores e muitos ainda não regressaram à capital francesa. Instalaram-se em cidades mais pequenas, vilas e aldeias. Ou até mesmo em casas no meio do nada. Longe do ruído e da poluição. Situação semelhante ocorreu em Londres. No ano passado, 300.000 cidadãos abandonaram a capital inglesa e a procura de casas no campo aumentou 126%.

Photo : Filipa Moreira da Cruz

Muitas profissões podem ser exercidas à distância e o número de nómadas digitais tem aumentado exponencialmente. Nunca foi tão fácil trabalhar em frente ao mar ou à sombra de uma bananeira. Basta um computador e ligação à Internet! Que o digam Bali, Malta ou as ilhas Canárias. Portugal também faz parte dos destinos mais cobiçados. As empresas foram obrigadas a adaptar-se, rapidamente, à nova realidade e as capitais dos países mais desenvolvidos perderam centenas de habitantes.

Ainda é comum, entre as grandes empresas, enviar os seus quadros superiores a países distantes. Britânicos invadem Hong Kong, franceses apoderam-se do sudeste asiático, portugueses reconquistam o Brasil ou Angola. A aproximação das antigas colónias é algo natural. Os colarinhos brancos europeus (ou americanos) recebem salários chorudos, vivem em casas faustosas e as crianças frequentam colégios privados pagos a peso de ouro.

Photo : Paul Laurent Bressin

Mas este fenómeno pode estar em vias de extinção. Os nómadas digitais estão a revolucionar a realidade laboral. Instalam-se no campo ou na praia e vivem quase como os locais. Entre relatórios e reuniões à distância ainda há tempo para um mergulho no mar, uma sesta ou uma cerveja bem fresca. Relatos contados na primeira pessoa por aqueles que conheço que trocaram o céu cinzento de Paris e de Milão por uma ilha das Canárias onde já vivi e outras duas que conheço bem.

Mas nem tudo são rosas! Os nómadas digitais trazem alguns dissabores. O poder de compra destes trabalhadores estrangeiros é, muitas vezes, superior ao da população dos países que lhes estendem a passadeira vermelha e os recebem de braços abertos. Por um lado, os preços disparam. Para os locais, alugar ou comprar casa torna-se um pesadelo. Encher o carrinho das compras sai mais caro e os restaurantes passam a piscar o olho aos estrangeiros endinheirados. Por outro lado, a tão prezada tranquilidade tem os dias contados. O êxodo urbano mata o silêncio do campo e polui a praia mais paradisíaca.

Filipa Moreira da Cruz

Serenidade

Percorro as ruas desertas da cidade
Um templo de paz e de serenidade
Subo colinas, ruelas e muralhas
Liberto-me das minhas antranhas
Abrigo-me nas suas artérias
Quem me dera regressar a estas férias!
Os jardins estão imaculadamente
Limpos e ordenados
Silêncio, que se vai cantar o fado?
Sinto falta do barulho, da confusão
Não sou capaz de ouvir o meu coração
Sonho ou realidade?
Pouco importa!
Estou apixonada pela cidade.

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz