Pai, mãe, filho Avô, avó, primo Tio, tia, cunhado O importante é ser amado A dois, a três A cinco ou a dez Família tradicional ou recomposta O que importa? Todos cabem no nosso coração Família é amor, partilha e união Alegrias, tristezas Dúvidas, certezas Dar e receber Família é viver!
Amamos as nossas mães quase sem o saber e só nos damos conta da profundidade das raízes desse amor no momento da derradeira separação.
Guy de Maupassant
Photo: Filipa Moreira da Cruz
Querida mãe,
Hoje é o seu dia. Mãe; palavra pequenina, mas do tamanho do mundo. Amor infinito. Vontade incondicional. A mãe deixou-nos (tão!) cedo, no entanto, continua entre nós. Sempre. Guia-me nos momentos mais difíceis, chama-me quando estou perdida, empurra-me para a estrada que não pensaria seguir, obriga-me a sair da minha zona de conforto. Obrigada! Hoje também é o meu dia e o de todas as outras mães. A vida nunca mais volta a ser a mesma depois do nascimento um filho. Ainda bem! Devemos celebrar este milagre diariamente. O Stan e a Mathilde mudaram tanto em pouco tempo. O luto atroz fez-lhes crescer prematuramente. Têm muitas saudades suas. São orfãos de avó. As férias em Portugal não serão as mesmas sem si, mas faremos o melhor possível. Aproveitaremos cada momento como se fosse o último. Feliz dia para todas as mães. As presentes e as que já cá não estão. Um pensamento muito especial para si, querida mãe.
– Senta-te Teresa. Vou contar-te uma história. A minha. Por favor, não me interrompas, senão não terei coragem de continuar. Começou há muitos anos atrás, na aldeia onde nasci e conheci o meu único amor.
Os meus pais trabalhavam na quinta da família mais rica e importante da região. A nossa vida era modesta, mas nunca nos faltou nada.
Todos os dias, a seguir à escola, eu ia ajudar a minha mãe. Limpava, esfregava, arrumava. Com esmero e sem queixume. Antes de regressar a casa, a minha mãe preparava o lanche para os filhos dos patrões e eu estava autorizada a sentar-me à mesa com eles.
O Henrique era o mais velho dos dois. Sério, austero e um pouco prepotente. O António tinha um ano mais do que eu e era o sol nos dias de inverno. Bonito, simpático e cheio de vida. Faziamos tudo juntos: correr pelos corredores da grande casa, jogar às escondidas no jardim, esfolar os joelhos a subir às árvores, pescar trutas no rio. Durante a infância, sempre o considerei como o irmão que os meus pais não me conseguiram dar. O meu melhor amigo.
Na adolescência, percebi que o que sentíamos um pelo outro era mais que amizade. Recordo o nosso primeiro beijo nas traseiras da padaria da vila. As minhas pernas fraquejaram, o meu coração parecia voar. Foi o segundo melhor dia da minha vida. O primeiro foi quando tu nasceste Teresa.
Photo: Filipa Moreira da Cruz
Prometemos ficar sempre juntos. Mas o destino tinha outros planos para nós. E as nossas famílias também.
O Henrique já estava a estudar Medicina. E o António, que sempre sonhara em ser astronauta, também seria médico como o bisavô, o avô, o pai e o irmão. Casaria com uma rapariga de boa família e viviriam na capital. O seu caminho estava traçado, com régua e esquadro. Não havia espaço para « fantasias de adolescente » .
Quanto a mim, tive que implorar para frequentar as aulas noturnas de datilografia. Os meus pais não entendiam a minha obstinação em estudiar se, de qualquer maneira, iria trabalhar na quinta no dia em que a minha mãe deixasse de ter forças para o fazer. Não tive coragem de dizer-lhes que não era isso que queria para mim. Preferi fazer a mala e fugir para Lisboa para viver com uma tia. No dia seguinte de manhã, tudo o que os meus pais encontraram foi uma carta em cima da mesa da cozinha.
Em Lisboa, conheci a tão desejada liberdade! As festas, o primeiro cigarro, os namorados. Mas nunca deixei de pensar no António. Sabia que estava noivo de uma rapariga rica, mas ignorava tudo o resto.
Certo dia, vi-o, à saída do cinema Londres com um grupo de amigos. Os nosso olhares cruzaram-se apenas uns segundos, mas foi o suficiente para regressar ao primeiro beijo. A partir daí, encontrávamo-nos às escondidas no seu apartamento perto da faculdade de Medicina. O nosso amor ganhou asas e cresceu. Contra ventos e marés.
Quando o António soube que eu estava grávida jurou anular o noivado e tomar conta de mim e do bebé, mas ambos sabíamos que tal não aconteceria. Ele vivia com o dinheiro que os pais lhe enviavam. E assim que soubessem o que o filho tinha em mente deixariam de dar-lhe mesada.
Photo: Filipa Moreira da Cruz
Como em muitas histórias de amor, a nossa também não teve um final feliz. Regressei à vila com uma barriga proeminente e o coração aos pedaços. Os meus pais apressaram-se a encontrar-me um rapaz que aceitasse casar com quem carregava o bebé de outro.
Tive sorte. O teu pai era honesto e respeitador. Amou-te mesmo antes de tu nasceres. Foste desejada pelos dois, embora por razões diferentes. Para mim, eras fruto de um grande amor. Para ele, um milagre porque Deus não lhe permitira deixar descendência naturalmente.
Tinha notícias do António, ocasionalmente, mas nunca lhe escrevi nem o voltei a ver. Até há três anos. Ia a travessar a Avenida da Liberdade. Convidou-me para um café e eu aceitei. Falou-me nos dois filhos, os teus irmãos. E na mulher que morreu de cancro. Esta maldita doença não poupa ninguém! Nem mesmo os ricos! Perguntou-me por ti e porque nunca tinha respondido às suas cartas nem aos telefonemas. Limitei-me a dizer que o passado não deve ser remexido. Despedimo-nos com a certeza de que esta seria a última vez que nos veríamos. Chorei desalmadamente durante todo o trajeto do metro que me empurrou até à nossa casa.
Sabes que o tempo não está do meu lado Teresa e não queria partir com o peso deste segredo. Espero que, um dia, me possas perdoar.
Teresa envolveu o corpo magro e frágil da mãe e segredou-lhe:
– Gosto tanto de ti!
Maria do Carmo, fechou os olhos e abraçou o sono profundo.
Quanto tempo tenho para percorrer o mundo? Quanto tempo tenho para fazer o correto? Quanto tempo tenho para enganar um segundo? Quanto tempo tenho para ficar por perto? Quanto tempo tenho para seguir o meu caminho? Quanto tempo tenho para estar com as pessoas que me são queridas? Quanto tempo tenho para ficar sozinho? Quanto tempo tenho para sarar as feridas? Quanto tempo tenho para agarrar a felicidade? Quanto tempo tenho para gozar da liberdade? Quanto tempo vai durar a saudade?
Já passou um mês e parece que foi ontem. Só passou um mês, mas parece uma eternidade.
Nunca gostei do Inverno e a mãe sabe que, para mim, Janeiro sempre foi longo, frio e enfadonho. Os membros da nossa família marcam (quase) sempre encontro com a morte depois do Natal e a mãe não foi excepção. O seu espírito decidiu dar o grande passo para pôr de folga (finalmente!) o corpo massacrado. Tinha chegado a hora. A mãe estava pronta, mas eu não. Nunca estarei. E não sou a única.
O Stan fez 14 anos na quinta-feira passada e estava triste porque foi a primeira vez que celebrou esta data sem a sua companhia. Lembra-se dos parabéns cantados em Lisboa, Porto, Tomar, Viana do Castelo, Veneza, Londres, Paris, Lanzarote e Fuerteventura? A mãe esteve sempre presente. Com frio, chuva, calor e sol.
Sei que finalmente encontrou a paz para lá do mundo terrestre, mas as saudades que tenho suas são infinitas. A vida é uma viagem e a sua foi rica em aventuras, descobertas, cumplicidades, afectos e harmonia. Sei porque a mãe disse-me isso várias vezes.
E por falar em viagens fizemos a primeira a Londres quando eu tinha 12 anos. Aos 14 anos levou-me a Nova Iorque. E foi nessa altura que prometemos que faríamos uma viagem juntas todos os anos. Cumprimos a promessa até ao ano passado. Visitámos mais de 20 países europeus, atravessámos tantas vezes o Atlântico para explorar as Américas. Partilhámos confidências, angústias, gargalhadas e lágrimas.
Por causa de si somos 4 irmãos em Lisboa, Saint-Malo, Verona e Londres juntos na dor. Graças a si somos 4 irmãos unidos para toda a vida. Por si desfrutamos de cada momento como se fosse o último.
Dedico este texto a todos os que ousaram sair da zona de conforto. Aos que voaram mais alto, mais longe. Aos que enfrentaram preconceitos, tabus e dogmas. Aos que viraram as costas ao medo e fizeram das suas fraquezas a sua força. Aos que hesitam entre as visitas à família e as férias no estrangeiro. Aos que falham natais, casamentos e batizados, mas que fazem das tripas coração para estarem presentes nos momentos mais difíceis. Aos que são poliglotas, mas continuam a sonhar na língua materna. Aos que pensam um dia regressar, mas sabem que nunca o farão.
Penso sobretudo nos que hesitam em dar o passo. Nos que ponderam os prós e os contras. Nos que já estão quase, mas ainda não estão. Aos quais falta pouco para lá chegarem. Nos que remetem para amanhã, pensando que ainda vão a tempo. E não me esqueço dos que voltam atrás (só os estúpidos é que nunca mudam de ideias). Dos que se arrependem de dar um salto maior do que as pernas (só os idiotas é que raramente se enganam). Dos que engolem o orgulho e regressam ao país que os viu nascer. Sem mágoa nem arrependimento.
Há um luso em cada canto do mundo. Portugal é o berço de exploradores, aventureiros, destemidos e curiosos. As mais variadas razões levaram-nos a procurar lá fora o que não tínhamos cá dentro. Exílio político para uns, melhores condições de vida para outros. Ambição profissional para tantos. Ou vontade de viver além fronteiras, pura e simplesmente. Faço parte destes. Todos iguais, mas todos diferentes. Expatriados. Na mala levamos determinação, vontade e sonhos. No país que nos acolhe sentimo-nos, às vezes, desajustados e com saudades de tudo o que não foi (como escreveu Pessoa). A pátria está longe e a terra onde vivemos não é a nossa. E talvez nunca venha a ser.
Dizem que somos quase três milhões, mas é impossível determinar o número exato. Todos os dias há fluxos de entradas e saídas. Já vivi em cinco países diferentes e, ao longo das inúmeras viagens, encontrei compatriotas nos locais menos prováveis. Portugal é o segundo país da Europa com maior número de emigrantes. Durante muito tempo, no velho continente, França foi o lar da maioria e Canadá e Estados Unidos desempenharam essa função no outro lado do Atlântico.
A crise de 2008 veio mudar o panorama. Nessa altura, o país desresponsabilizou-se, forçando muitos a encontrar casa no Reino Unido ou em Espanha e colocando o Luxemburgo e a Suíça de novo na lista das preferências. Itália também faz parte dos novos destinos. Por outro lado, Angola deixou de ser a galinha dos ovos de ouro. Revezes da fortuna. Ainda assim, os emigrantes lusos são os que mais dinheiro enviam ao país de origem. Uma mais-valia para a economia nacional, nem sempre paga na mesma moeda.
Durante várias décadas, os emigrantes abalavam nas pontas dos pés, sem fazer barulho. Aceitavam tudo o que lhes era imposto de ânimo leve (?). Não dominavam os números nem as letras, mas não tinham medo do desconhecido. Dormiam em qualquer lado e falavam a língua materna às escondidas. Trabalhavam de sol a sol por uma ninharia. Sentiam-se gratos pelo pouco que tinham porque já era muito mais do que alguma vez pensaram ter.
O mundo mudou e os emigrantes também. Deixamos de ter vergonha do que somos e de onde vimos. Trazemos na bagagem conhecimentos, diplomas, ideias, ousadia e sonhos. Lá fora, elogiam a nossa perseverança e dedicação. Mas deixar a pátria nunca é fácil. A vida não é um rio tranquilo. Ainda bem.
Lugar de aconchego De festa e de desassossego Lar doce lar Onde podemos ser e estar De pedra ou de madeira Por uns dias ou para a vida inteira Para dois, três, quatro, cinco ou seis Para pobres que se sentem como reis Ou ricos que mais parecem mendigos De tão mal agradecidos Azul, verde, ou branca Aquecida pelo sol ou pela chama De uma lareira onde nos sentamos a ler E a contar histórias até escurecer Guarda memórias e segredos Abriga ilusões e medos Oferece paz e serenidade Seja ela no campo ou na cidade Serve para acolher familiares e amigos Os mais recentes e os antigos.