Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo…
Fernando Pessoa
As nações são todas mistérios. Cada uma é todo o mundo a sós.
Fernando Pessoa
Lá fora passarão civilizações, escacharão revoltas, turbilhonarão festas, correrão mansos quotidianos povos.. E nós, ó meu amor irreal, teremos sempre o mesmo gesto inútil, a mesma existência falsa.
Balões, serpentinas, música Fachadas coloridas E o sol a espreitar pela janela A vida é uma festa! Crianças a correr Gargalhadas estridentes Idosos sem dores nem mazelas A vida é bela! Vento suave e chuva miudinha Que refrescam num dia quente de Verão Copos a transbordar de vinho aveludado Enchem de cor as esplanadas A vida é deliciosa!
Verde água Verde azeitona Verde tropa Verde floresta Verde mar Verde garrafa Verde natureza Verde pomar Verde esperança Verde é vida Equilíbrio e perseverança.
Filipa Moreira da Cruz
Photos : Filipa Moreira da Cruz, Anne-Hortense e João
Sou apaixonada por portas e janelas Grandes, pequenas, de ferro ou de madeira Para mim, todas são belas Nunca me sinto sem eira nem beira Quando uma se fecha Outra estende-me os braços Uma porta trancada não se rejeita E eu recebo-a num grande abraço Janela velha e escaqueirada Enterrada viva sem dó nem piedade Sofre em silêncio a desgraçada Portas de casas e prédios na cidade Donas e senhoras de conventos e castelos Trancam segredos a sete chaves Mesmo os mais singelos e belos Janelas que acolhem pássaros e flores E cortinas testemunhas de desamores.
Há uns dias, uma amiga ligou-me para partilhar uma boa notícia: acaba de obter a nacionalidade australiana. A meio da conversa disse-me que já não se sente apenas francesa, é uma mistura. Talvez só quem tenha passado vários anos num país que não é o seu a possa entender. De qualquer forma, até os que nunca saíram do seu cantinho são 100% de coisa nenhuma. Todos somos fruto de séculos de cruzamento de civilizações que habitaram a Terra antes de cá chegarmos. Como diz a canção de Jarabe de Palo, “en el puro no hay futuro, el futuro está en la mezcla”. Felizmente.
Saí de Portugal há mais de 20 anos. Já vivi em 5 países europeus, 9 cidades e, da última vez que contei o número de mudanças já ía em 18. Falo, leio, escrevo e sonho em 5 idiomas. Talvez a minha língua materna já não seja tão imaculada. Se fizer um ditado respeitando o acordo ortográfico, não terei 0 erros, como nos tempos de escola. Mas por muitas voltas que dê, Portugal é e será sempre a minha pátria.
Mas o que é ser português? Nascemos portugueses ou tornamo-nos portugueses? A nacionalidade é muito mais do que um passaporte E não se adquire só pelos genes. O meio onde vivemos contribui (e muito) para a nossa identidade. Daí a eterna questão em relação ao que deve ser predominante, a lei do sangue ou a lei do solo. Há uma constante dualidade entre dar e receber. Incluir não é somente integrar. Assimilar não é apenas adquirir.
O meu filho considera-se 50% gaulês, 40% luso e 10% espanhol. A minha filha diz que é metade portuguesa, metade francesa e un poquito espanhola. Ambos nasceram em Paris, têm nacionalidade francesa e são bilíngues. Viveram 1 ano em Portugal e 3 anos em Espanha, sendo fluentes em Castelhano. Eu vejo esta trilogia como uma mais-valia para cultivarem o respeito, a tolerância e a solidariedade. A força reside na diversidade. Todos somos iguais na essência, mas diferentes em tantos outros aspetos. Não há lugar para o racismo, até porque só há uma raça: a humana.
Photo : Filipa Moreira da Cruz
Durante a presidência de Sarkozy a identidade nacional era um assunto recorrente. Certos políticos consideravam que havia um desapego em relação à nação. Xavier Bertrand, secretário geral do partido que estava no poder (UMP), enalteceu o orgulho de viver em França. Algo ambíguo e vago. Várias medidas foram implementadas para promover a identidade francesa. O canto do hino nacional na escola, cursos de língua e cultura francesas, proibição do uso da burka. A oposição denunciou, com razão, o perigo de confundir-se identidade nacional e nacionalismo exacerbado. Nem todos os Martin ou Richard têm uma cega adoração pela França. Em contrapartida, há estrangeiros que se consideram franceses.
Há um país, para além do meu, onde me sinto em casa: Espanha. E não apenas por ter antepassados que nasceram no país vizinho. Certas afinidades não se explicam. Como dizia Saramago, em castelhano, “Lanzarote no es mi tierra, pero es tierra mía”. Ainda assim, recusou várias vezes a cidadania espanhola. Quando visitei a sua casa na ilha canária deparei-me com Portugal em cada recanto. Na mobília, no serviço de café, nos livros da biblioteca e até mesmo na oliveira alentejana que plantou no jardim, em frente ao oceano. Tão longe e tão perto.
Somos todos cidadãos do mundo e não importa para onde vamos, desde que saibamos de donde vimos. Somos árvores e pássaros. Temos raízes e asas. Nem sempre podemos estar onde gostaríamos, mas nunca nos esquecemos quem somos. Talvez por isso os mais bonitos poemas de Pablo Neruda tenham sido escritos durante o exílio, longe da sua terra natal, o Chile. Todos temos direito a várias identidades para que o futuro se escreva no plural.
Verde água Verde azeitona Verde tropa Verde floresta Verde mar Verde garrafa Verde natureza Verde pomar Verde esperança Verde é vida Equilíbrio e perseverança.
Filipa Moreira da Cruz
Photos : Filipa Moreira da Cruz, Anne-Hortense e João
Nasci em Portugal. Vivi vários anos em Espanha e regressei em 2018 a França. Não me peçam para escolher um dos três países. É impossível! Adoro os três e sinto-me em casa em qualquer um deles.
Saúde
Já ouvi muitas vezes dizer que em Portugal há excelentes médicos. É verdade! No entanto, escasseiam recursos humanos, financeiros e técnicos. Não há camas suficientes e os hospitais estão degradados. Somos o único dos 3 países onde existe a taxa moderadora e aquele onde mais escasseiam médicos de família. Espanha também dispões de vários centros de sáude e o acesso é rápido e gratuito. As ilhas Canárias têm hospitais modernos com aprelhos de última geração. Infelizmente, alguns exames não se podem realizar por falta de médicos especialistas. França tem um sistema mais justo e liberal. Não há centros de saúde, podemos escolher o médico que quisermos e somos reembolsados a 100% (entre a segurança social e o seguro de saúde). Quando vivi em Paris tinha direito a dois pares de óculos por ano. Acumulei os modelos mais caros de Dior, Chanel e Prada.
Educação
Em França a educação é obrigatória a partir dos 3 anos e a maioria das escolas são públicas e totalmente grátis (o material é todo fornecido pelas mesmas). O dia começa às 08h30 e termina às 16h30. Em muitas cidades espanholas a escola funciona só de manhã e durante as férias as únicas atividades são privadas e dispendiosas. Ainda assim, é este país que tem o sistema de ensino que mais aprecio: o Amara Berri. Contrariamente a Portugal, os outros dois países optam por um número reduzido de manuais, por isso, o lobby das editoras escolares é quase inexistente.
Cultura
Deve ser de todos e para todos! Em Portugal, o acesso à cultura é ainda elitista e centralizado. Continuamos a ser o país dos festivais, do futebol e das telenovelas. Mas também somos um dos únicos que se recusa a dobrar séries e filmes. Chapeau! Sou contra tudo o que não seja em VO. No que diz respeito à cultura geral os portugueses são de longe os que têm um maior conhecimento da atualidade internacional. Poliglotas por natureza, quase todos falam, pelo menos, uma língua estrangeira. Os espanhóis (com exceção dos bascos e dos catalães) não sentem necessidade de ir além-fronteiras e os franceses são bastante seletivos nos temas de discussão.
Religião
Eis um tema delicado! França é um país laico assumido onde todos acham que sabem tudo das três principais religiões do mundo. A festa de L’ Aïd e o Shabbat são práticas comuns e há mais lojas kasher e hallal que católicos a ir à missa. Nunca discutam com um francês sobre burkka, niqab e afins porque eles têm sempre razão. Penso que os portugueses são os mais inclusivos e tolerantes. Os espanhóis respeitam as outras religiões, mas assumem-se como bons católicos ou não fosse o seu país o berço da opus dei. No país vizinho, quase todas as crianças fazem a primeira comunhão e as crianças aprendem o catecismo nas escolas.
À table!
Mais do que comer aprecio estar à mesa rodeada dos amigos e da família e nos três países estou bem servida. Os franceses consideram a sua gastronomia a melhor do mundo, facto que é discutível. Uma coisa é certa: enquanto na península Ibérica as padarias desapareceram em França são uma instituição. Não sabem o prazer que dá comer pão quente, um croissant ou um pain au chocolat logo de manhã. Em contrapartida, coitados dos que nunca provaram um verdadeiro frango no churrasco ou umas sardinhas assadas com uma salada de pimentos! Estas iguarias que só os portugueses sabem preparar! Os espanhóis são os reis das tapas que no país Basco são mais conhecidas como pintxos. Há para todos os gostos e a qualquer momento do dia. Sou fã! No país vizinho almoços às quatro da tarde e jantares às onze da noite são prato de cada dia.
Money, money, money…
Os portugueses queixam-se que pagam muitos impostos, mas estão muito enganados! Também aqui os franceses são os campeões do mundo e há taxas para tudo. Em Portugal, os salários são escandalosamente baixos, isso sim! Este país tem os preços mais altos na eletricidade, no gás e na gasolina. E o que dizer das portagens?! Nasci em Lisboa, a cidade com o maior índice de especulação imobiliária do momento. A mesma que despeja sem dó nem piedade os inquilinos esquecendo-se que, um dia, a bolha explode. Vivi um ano na terceira cidade mais cara de Espanha e quase oito anos numa das mais caras do planeta. Não exagero quando afirmo que, em Paris, uma família de quatro pessoas necessita, pelo menos, 6.000 euros para viver confortavelmente.
Dia-a-dia
França é o paraíso dos amantes do comércio local e eu faço parte deste, cada vez mais, restrito grupo. Em cada esquina há livrarias, mercados, frutarias, padarias, floristas, peixarias, talhos… Os centros comerciais são bicho raro. Bravo! Não bebo café, mas em Espanha há para todos os gostos: cortado, largo, con leche, nube… Em contrapartida, o chá é de péssima qualidade! Em Portugal também sofro porque se não for a um salão de chá gourmet só me servem saquinhos Lipton. França cuida muito bem dos amantes desta bebida e em qualquer bistrot sabem preparar as folhas na água quase fervida.
Vida social e familiar
Os espanhóis são especialistas em divertir-se com pouco e acreditem que no país vizinho a vida é uma festa! Os franceses são râleurs por natureza e queixam-se constantemente. Não nos esqueçamos que são os reis das greves, mas também conseguiram a revolução de 1789 e o maio de 68. Em Portugal somos bipolares. Por um lado, adoramos deitar abaixo o nosso país, enaltecendo quase tudo o que vem de fora. Por outro lado, não nos imaginamos longe da nossa terrinha e raramente tentamos mudar a situação em que estamos. É comum um jovem francês sair de casa aos 17 ou 18 anos e é ainda mais comum que só telefone à família uma vez por mês. Na península Ibérica ainda é aceitável viver em casa dos pais até quase aos 30 anos, e não apenas por razões económicas. Os franceses são excessivamente formais e ficam quase ofendidos se o bonjour não é seguido de monsieur ou madame. Todos são tratados pelo nome de família e na escola os alunos estão sentados por ordem alfabética de acordo com o apelido. Paradoxalmente, nas relações entre amigos e familiares são mais descontraídos. Os espanhóis são descomplicados e raramente usam o Usted (equivalente ao « você »em português). Ainda me lembro quando o subdiretor de um grande hotel de 5 estrelas me disse « tratame por tú que estamos en España ». Em Portugal mantemos uma mentalidade provinciana e elitista. Somos o país dos doutores e engenheiros, das Suas Excelências e das tias.
Clima
Portugal é abençoado com o maior número de horas de sol e longos verões. Melhor que nós, só mesmos as ilhas Canárias! Ainda assim, passo mais frio em Portugal que em qualquer outra cidade porque as paredes das casas parecem de papelão e os locais públicos não estão aquecidos.
Não há países perfeitos e a minha casa é mesmo onde o meu coracao está mais tranquilo. Sou nómada por escolha e vocação e compreendo Picasso que sentiu necessidade de sair de Málaga para encontrar-se, Hemingway que viveu em Paris, mas foi realmente feliz em Espanha ou Saramago que se apaixonou por Pilar, amou Lanzarote, mas nunca deixou de ser português!