Do cimo do farol

Reprise

Do cimo do farol sinto o mundo como mais ninguém
Vejo o nascer do sol e quando ele se deita também
Observo o arco-íris e as nuvens que dançam no céu
Sinto a maresia e agarro este vento só meu
Fecho os olhos e oiço as ondas do mar
A maré sobe e sinto-me a naufragar
Os pássaros trazem-me notícias do outro lado do mundo
Peço-lhes que me concedam mais um segundo
Um instante basta para que a areia volte a ficar seca
Quanto ao resto… pouco ou nada interessa!

Filipa Moreira da Cruz


Photos: Filipa Moreira da Cruz




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Senhor tempo

Reprise

Quanto tempo tenho para percorrer o mundo?
Quanto tempo tenho para fazer o correto?
Quanto tempo tenho para enganar um segundo?
Quanto tempo tenho para ficar por perto?
Quanto tempo tenho para seguir o meu caminho?
Quanto tempo tenho para estar com as pessoas que me são queridas?
Quanto tempo tenho para ficar sozinho?
Quanto tempo tenho para sarar as feridas?
Quanto tempo tenho para agarrar a felicidade?
Quanto tempo tenho para gozar da liberdade?
Quanto tempo vai durar a saudade?

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz

Fado

Photo: Filipa Moreira da Cruz

Vou à minha vidinha
Sem incomodar
Faço o meu trabalho
Sem nada perguntar
Acordo cedo
Para a casa arrumar
Deito-me tarde
Sem descansar
Triste fado!
Está na hora
De tudo mudar
Dar o grito do Ipiranga
E fazer
O que me dá na real gana.

Filipa Moreira da Cruz

No feminino

Reprise

Photo : KaDDD

Criança, menina, garota
Jovem, moça ou já mulher
Roliça, esguia, pequenina, franzina
Delgada, alta ou o que se quiser
Aventureira, casadoira, conservadora ou ousada
Solitária ou sempre bem acompanhada
Sou o que decido e escolho o que quero ser!
Não importa o que fiz nem o que tenho
Abraço o presente sem me esquecer de viver!

Filipa Moreira da Cruz

Animais à solta

Reprise

A Natureza está louca
Virada de pernas para o ar
Os animais estão à solta
A rir, a correr, a brincar
No parque ou no jardim
Até os pinguins fugiram do frio
Parecem estátuas a olhar para mim
Pensando que o mar é rio
O urso não baixa a guarda, vigia
O coelho esconde-se do leopardo
O burro cuida da sua cria
E o puma corre como um desalmado
A Natureza comanda
Os animais obedecem
Entram felizes na dança
Que os humanos desconhecem.

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz

Saudades

Photo : Filipa Moreira da Cruz

Querida mãe,

Já passou um mês e parece que foi ontem. Só passou um mês, mas parece uma eternidade.

Nunca gostei do Inverno e a mãe sabe que, para mim, Janeiro sempre foi longo, frio e enfadonho. Os membros da nossa família marcam (quase) sempre encontro com a morte depois do Natal e a mãe não foi excepção. O seu espírito decidiu dar o grande passo para pôr de folga (finalmente!) o corpo massacrado. Tinha chegado a hora. A mãe estava pronta, mas eu não. Nunca estarei. E não sou a única.

O Stan fez 14 anos na quinta-feira passada e estava triste porque foi a primeira vez que celebrou esta data sem a sua companhia. Lembra-se dos parabéns cantados em Lisboa, Porto, Tomar, Viana do Castelo, Veneza, Londres, Paris, Lanzarote e Fuerteventura? A mãe esteve sempre presente. Com frio, chuva, calor e sol.

Sei que finalmente encontrou a paz para lá do mundo terrestre, mas as saudades que tenho suas são infinitas. A vida é uma viagem e a sua foi rica em aventuras, descobertas, cumplicidades, afectos e harmonia. Sei porque a mãe disse-me isso várias vezes.

E por falar em viagens fizemos a primeira a Londres quando eu tinha 12 anos. Aos 14 anos levou-me a Nova Iorque. E foi nessa altura que prometemos que faríamos uma viagem juntas todos os anos. Cumprimos a promessa até ao ano passado. Visitámos mais de 20 países europeus, atravessámos tantas vezes o Atlântico para explorar as Américas. Partilhámos confidências, angústias, gargalhadas e lágrimas.

Por causa de si somos 4 irmãos em Lisboa, Saint-Malo, Verona e Londres juntos na dor. Graças a si somos 4 irmãos unidos para toda a vida. Por si desfrutamos de cada momento como se fosse o último.

Gosto muito de si mãe. E mais ainda.

Filipa Moreira da Cruz

Saltar a cerca

Reprise

Menina roliça e bonita
Apressada e catita
Que passa pela minha rua
Sou meu, és tua
Espedita e risonha
Sou teu, és minha
Ai um dia, vou ter coragem
E deixarás de ser apenas uma miragem
Vou contar-te o que guardo no coração
Através de um poema ou de uma canção
Juntos daremos a volta ao mundo
A vida muda num segundo.

Filipa Moreira da Cruz

Photos : Filipa Moreira da Cruz

Amor sem espinhos

Reprise

Photo : Filipa Moreira da Cruz

Não há bela sem senão
Não há alma sem coração
Não há rosa sem espinhos
Não há metas sem caminhos
Não há mar sem ondas
Não há praia sem conchas
Não há recompensa sem esforço
Não há festa sem alvoroço
Não há Outono sem chuva
Não há presença como a tua
Não há Verão sem calor
Não há paz sem amor
Não há queijo sem marmelada
Não há tudo sem nada
Não há doce sem abóbora
Não há dentro sem fora
Não há música sem instrumentos
Não há esperança sem sentimentos
Não há poetas sem tristeza
Não há terra sem beleza
Não há universo sem mundos alheios
Não há Humanidade sem devaneios.

Filipa Moreira da Cruz

Street art

Photo : Filipa Moreira da Cruz
Photo : Filipa Moreira da Cruz
Photo : Filipa Moreira da Cruz

Êxodo urbano

Reprise

Photo : KaDDD

Durante vários séculos, a população trocou o campo pela cidade em busca de melhores condições de vida. Quando a terra deixava de ser fértil, voltavam-se as costas ao verde e abraçava-se o cinzento da metrópole. A tecnologia e a indústria prometiam sucesso e prosperidade. Mas nem todos se deixaram seduzir pela vida urbana e há quem não troque a paz e o sossego do campo pelo bulício da cidade.

Sou uma citadina convicta e assumida. Gosto de cidades grandes. Sinto-me bem em Nova Iorque, Paris, Londres ou Berlim. Aprecio andar de metro, visitar museus, ler nos parques, percorrer largas avenidas. No entanto, fiquei feliz por ter passado os três confinamentos na cidade onde vivo que tem apenas 50.000 habitantes. Entendo o sufoco e a ansiedade dos que ficaram encurralados entre quatro paredes porque sei o que é viver num apartamento de 45 metros quadrados. Quando somos obrigados a partilhar, 24 horas por dia, um espaço tão exíguo, o charme da cidade desaparece, mesmo que tenhamos a sorte (como eu tive!) de viver a dois passos do Arco do Triunfo.

Desde o início da pandemia, 800.000 pessoas saíram de Paris e arredores e muitos ainda não regressaram à capital francesa. Instalaram-se em cidades mais pequenas, vilas e aldeias. Ou até mesmo em casas no meio do nada. Longe do ruído e da poluição. Situação semelhante ocorreu em Londres. No ano passado, 300.000 cidadãos abandonaram a capital inglesa e a procura de casas no campo aumentou 126%.

Photo : Filipa Moreira da Cruz

Muitas profissões podem ser exercidas à distância e o número de nómadas digitais tem aumentado exponencialmente. Nunca foi tão fácil trabalhar em frente ao mar ou à sombra de uma bananeira. Basta um computador e ligação à Internet! Que o digam Bali, Malta ou as ilhas Canárias. Portugal também faz parte dos destinos mais cobiçados. As empresas foram obrigadas a adaptar-se, rapidamente, à nova realidade e as capitais dos países mais desenvolvidos perderam centenas de habitantes.

Ainda é comum, entre as grandes empresas, enviar os seus quadros superiores a países distantes. Britânicos invadem Hong Kong, franceses apoderam-se do sudeste asiático, portugueses reconquistam o Brasil ou Angola. A aproximação das antigas colónias é algo natural. Os colarinhos brancos europeus (ou americanos) recebem salários chorudos, vivem em casas faustosas e as crianças frequentam colégios privados pagos a peso de ouro.

Photo : Paul Laurent Bressin

Mas este fenómeno pode estar em vias de extinção. Os nómadas digitais estão a revolucionar a realidade laboral. Instalam-se no campo ou na praia e vivem quase como os locais. Entre relatórios e reuniões à distância ainda há tempo para um mergulho no mar, uma sesta ou uma cerveja bem fresca. Relatos contados na primeira pessoa por aqueles que conheço que trocaram o céu cinzento de Paris e de Milão por uma ilha das Canárias onde já vivi e outras duas que conheço bem.

Mas nem tudo são rosas! Os nómadas digitais trazem alguns dissabores. O poder de compra destes trabalhadores estrangeiros é, muitas vezes, superior ao da população dos países que lhes estendem a passadeira vermelha e os recebem de braços abertos. Por um lado, os preços disparam. Para os locais, alugar ou comprar casa torna-se um pesadelo. Encher o carrinho das compras sai mais caro e os restaurantes passam a piscar o olho aos estrangeiros endinheirados. Por outro lado, a tão prezada tranquilidade tem os dias contados. O êxodo urbano mata o silêncio do campo e polui a praia mais paradisíaca.

Filipa Moreira da Cruz