A minha casa é uma prisão Bonita, sofisticada, ordenada Com toalhas de linho, loiça de porcelana e copos de cristal. Com gente elegante e educada – As crianças? Não as ouço… – Não se preocupe, não há alvoroço
A minha casa é uma prisão Numas águas furtadas com uma vista deslumbrante E um gato sempre a brincar 16 metros quadrados para dormir, cozinhar, ler, escrever e meditar… Faço tudo para não pirar!
A minha casa é uma prisão O meu palacete, quer você dizer! No cimo de uma colina, na parte antiga da cidade Tanto espaço só para mim, A última da minha geração De repente, sinto-me mal, que aflição! O que me salva é o meu velho cão
A minha casa é uma prisão Onde dormimos, comemos e brincamos no chão Os adultos são a autoridade e têm sempre razão!
A minha casa é uma prisão Rodeada de areia branca e fina Adormeço ao som do mar E acordo com ele a dizer-me: Larga tudo e vem surfar!
A minha casa é uma prisão Com jardim, piscina, cave e sótão Onde todos se cruzam, mas ninguém se vê Cada um sofre em silêncio, mas porquê?!
A minha casa é uma prisão Feita de madeira e de pedra Vivo no meio da floresta Sem televisão, computador ou telefone Hoje lamento esta decisão!
A minha casa é uma prisão Com rodas e duas pequenas janelas Não posso circular, mas não faz mal Isto vai passar!
A minha casa é uma prisão Um quarto onde durmo por empréstimo Numa cidade fria e cinzenta E onde a chuva não dá tréguas
A minha casa é uma prisão E de porto em porto vivo O meu barco está atracado Para respeitar o que me foi pedido
A minha casa é uma prisão Lar nunca tive, sou nómada E os meus pertences cabem em duas malas Sou solitário e homem de poucas falas
A minha casa é uma prisão Sem porta nem janelas, Sem pessoas nem animais Todos os dias são domingos Preguiçosos, comuns, banais.
É cão, é gato, é pulga e comichão É uma casa de loucos onde reina a confusão É fora, é dentro, é sempre a andar É amor, é alegria, é crescer e partilhar
Vida emocionante e repleta de aventuras É a desta criança sempre a fazer travessuras
É calor, é sol, é praia e muitos gelados É a chuva miudinha a deslizar no telhado É um corropio, é o fim da picada É o eterno romântico ao lado da sua amada
Vida apaixonante e cheia de aventuras É a deste jovem que continua a fazer travessuras
É responsabilidade, é trabalho e dinheiro É um lugar à sombra num mundo muito feio É esforço, é suor, é escravidão e dedicação É a falta de concentração para a meditação
Pseudo-vida carente de aventuras É a deste homem que não tem tempo para fazer travessuras
É tristeza, é desespero, é recusa e solidão É falta de gente que lhe encha o coração É medo da doença com cheiro a morte É deixar de viver, abandonando-se à sua sorte
Fim de vida triste e sem aventuras É a deste homem que deixou, há muito, de fazer travessuras.
O homem nasceu livre e por toda a parte vive acorrentado.
Jean-Jacques Rousseau
Photo : Paul Laurent Bressin
Sonho em prosa Escrevo em verso A vida nem sempre é rosa E o cérebro é perverso Misturo línguas Confundo expressões Os nervos à flor da pele Contrariam as minhas emoções Cansei-me de pedir licença para existir Fartei-me de caminhar nas pontas dos pés Sapatinhos de lã invisíveis Já não quero falar baixinho com medo de ferir As orelhas dos mais sensíveis A minha voz não vou calar Abraço as situações imprevisíveis Com audácia e sem medo Engulo em seco o pudor A vida deixou de ser um segredo Confio na boa esperança Seja o que for Oiço o vento da mudança Vai correr tudo bem Não perco a fé nem a perseverança Vai dar certo Se Deus quiser.
A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.
Miguel de Cervantes
A vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.
Costa azul Mar esmeralda Céu violeta Pele dourada Asas de borboleta Areia fina Labirintos perdidos Sou teu, és minha? Jardins escondidos Promessa desfeita Pássaros ausentes Sem eira nem beira Palavras persistentes Rocha escarpada Ruas vazias A vida é tudo e nada.
Livre sou de transformar, de brincar De pensar, de sonhar, de criar, de aceitar De escrever, de ler, de viver, de sofrer Livres somos de beijar, de votar, de amar De estudar, de opinar, de errar, de abraçar De oferecer, de receber, de poder, de ver Livre serei de decidir, de cair, de fugir De rir, de infringir, de resistir, de partir De permitir, de dicidir, de resistir, de ir Livres seremos de querer, de ser, de debater De aprender, de crescer, de correr, de escolher De sentir, de incluir, de insistir, de fingir Liberdade somos todos nós Liberdade tem corpo e voz Liberdade… ontem, hoje, amanhã Liberdade amiga, confidente, irmã Liberdade presente Liberdade… sempre!
Vive aqui e agora Arranca as folhas desse livro Sem sequer lhes tocares Escreve a tua história Cheira a fragrância da natureza Atira bem alto o teu medo Que teima em perseguir-te Aceita que a vida é uma supresa Deixa-te envolver Pelo que de mais belo te rodeia E voa Voa do cimo desse monte Tens alguma ideia? Já conquistaste os teus sonhos Uma aventura de mil e uma noites Voa com asas de papel Dá forma à imaginação Toca nas nuvens de algodão Saboreia a lua, doce como o mel E o sol dourado pelo fogo Despede-te de preconceitos Veste as cores do globo Avista ao longe a multidão E repara como são pequenos Aqueles que enchem De coisa nenhuma Um bolso, uma mão A vida.
Em 1949 o escritor britânico George Orwell publicou o romance « 1984 » no qual relata a vigilância constante e a manipulação levadas a cabo por um Estado totalitário. Nesta metáfora, o Grande Irmão espia, persegue e controla. O partido imaginado por Orwell tem como lema: « Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força ». Quanto mais oprimido e ignorante é o povo, mais forte é o Estado. E isto num contexto onde a paz permanente é impossível. Porque nada dura para sempre.
Anos antes, em 1932, um outro escritor britânico escrevia « Admirável Mundo Novo ». Aldous Huxley foi ainda mais longe na premonição das consequências económicas, sociais e políticas da era digital. A história passa-se em Londres, no ano de 2540. E quem diria que parte da ficção se confirmaria oito décadas mais tarde?
Em 2022 atrevemo-nos a pensar que nunca fomos tão livres. Grande ilusão! Criticamos os regimes autoritários, condenamos os atos dos governos opressores, temos opinião sobre tudo. No entanto, ignoramos que somos escravos da tecnologia e dominados por essa grande potência, mais forte do que qualquer Estado : a internet. Os três « w » mudaram o mundo e o regresso ao passado é inconcebível. Desde 1989 que o universo comunica em uníssono, para o bem e para o mal.
Obviamente que os mais céticos recusam qualquer acesso às redes sociais numa tentativa fracassada de salvaguardarem a sua privacidade. Há também os que sentem orgulho na resistência às compras online. Ou ainda os que não saem de casa sem dinheiro na carteira porque não confiam no cartão bancário. Desconheço como estes últimos tiraram a barriga de misérias durante o confinamento.
Photo : KaDDD
Mesmo os mais incrédulos e recatados são obrigados a admitir que a internet é indissociável da sociedade contemporânea. E duvido que exista um indivíduo na Terra que nunca tenha navegado na rede. Excluindo talvez a maioria dos habitantes da Coreia do Norte e algumas pessoas com mais de 80 anos. E ainda assim, tenho dúvidas… A World Wide Web não é o inimigo público a abater. O perigo reside no que podemos fazer com ela. E tudo isto com a aprovação (lícita) de Sua Majestade Facebook (que detém, entre outros Instagram, WhatsApp e Giphy) e do Rei Google, dono e senhor de quase tudo o resto!
Somos 92%, em todo o mundo, a fazer pesquisas através do Google Chrome e talvez haja até quem desconheça que existem outros motores de pesquisa. O gigante de Mountain View é inteligente, perspicaz e talentoso. Antecipa comportamentos, cria necessidades, controla todos os passos e regista as inúmeras ações dos seus utilizadores. Conhece os nossos gostos e as nossas rotinas. Sabe onde vivemos e com quem partilhamos a casa. Nada do que acontece na internet é fruto do azar. Há uma relação causa-efeito. E para que não corramos o risco de tentar recuperar o nosso destino, os cookies estão lá para nos recordar as nossas pesquisas anteriores. Esses bolinhos deliciosos que podemos consumir sem moderação porque não engordam!
Utilizo a internet diariamente e não imagino a minha vida sem esta ferramenta. Comunicar com a família e os amigos que vivem longe nunca foi tão fácil. Isso não significa que não me preocupe com a utilização da informação registada. Antes pelo contrário. Considero essencial a aplicação do direito à privacidade. Mas as leis são lentas. Os algoritmos terão sempre anos de avanço. O Regulamento Geral da Proteção de Dados, elaborado pela União Europeia em 2016, já está obsoleto. E nem os americanos, que se julgam mais espertos que o resto dos mortais, têm a situação controlada. A Federal Trade Commission tenta travar o monopólio dos super poderosos, mas Google, Facebook, Amazon e companhia pagam multas exorbitantes e fica tudo bem.
Este acordo entre cavalheiros tem uma duração limitada, mas para quando o desfecho? Ninguém sabe! Até lá, o melhor é mesmo viver sem pensar muito no assunto. Por muitas voltas que dermos, big brother is (always) watching us!