Perdi-me nos teus olhos Azuis como o oceano Intensamente límpidos O divino toca o profano Fui apanhada de surpresa Pela tempestade Que chegou com pressa De contar toda a verdade Engolida pelo mar Varrida pelo vento Sufoquei Fiquei sem ar Caí na armadilha do tempo.
Dedico este texto a todos os que ousaram sair da zona de conforto. Aos que voaram mais alto, mais longe. Aos que enfrentaram preconceitos, tabus e dogmas. Aos que viraram as costas ao medo e fizeram das suas fraquezas a sua força. Aos que hesitam entre as visitas à família e as férias no estrangeiro. Aos que falham natais, casamentos e batizados, mas que fazem das tripas coração para estarem presentes nos momentos mais difíceis. Aos que são poliglotas, mas continuam a sonhar na língua materna. Aos que pensam um dia regressar, mas sabem que nunca o farão.
Penso sobretudo nos que hesitam em dar o passo. Nos que ponderam os prós e os contras. Nos que já estão quase, mas ainda não estão. Aos quais falta pouco para lá chegarem. Nos que remetem para amanhã, pensando que ainda vão a tempo. E não me esqueço dos que voltam atrás (só os estúpidos é que nunca mudam de ideias). Dos que se arrependem de dar um salto maior do que as pernas (só os idiotas é que raramente se enganam). Dos que engolem o orgulho e regressam ao país que os viu nascer. Sem mágoa nem arrependimento.
Há um luso em cada canto do mundo. Portugal é o berço de exploradores, aventureiros, destemidos e curiosos. As mais variadas razões levaram-nos a procurar lá fora o que não tínhamos cá dentro. Exílio político para uns, melhores condições de vida para outros. Ambição profissional para tantos. Ou vontade de viver além fronteiras, pura e simplesmente. Faço parte destes. Todos iguais, mas todos diferentes. Expatriados. Na mala levamos determinação, vontade e sonhos. No país que nos acolhe sentimo-nos, às vezes, desajustados e com saudades de tudo o que não foi (como escreveu Pessoa). A pátria está longe e a terra onde vivemos não é a nossa. E talvez nunca venha a ser.
Dizem que somos quase três milhões, mas é impossível determinar o número exato. Todos os dias há fluxos de entradas e saídas. Já vivi em cinco países diferentes e, ao longo das inúmeras viagens, encontrei compatriotas nos locais menos prováveis. Portugal é o segundo país da Europa com maior número de emigrantes. Durante muito tempo, no velho continente, França foi o lar da maioria e Canadá e Estados Unidos desempenharam essa função no outro lado do Atlântico.
A crise de 2008 veio mudar o panorama. Nessa altura, o país desresponsabilizou-se, forçando muitos a encontrar casa no Reino Unido ou em Espanha e colocando o Luxemburgo e a Suíça de novo na lista das preferências. Itália também faz parte dos novos destinos. Por outro lado, Angola deixou de ser a galinha dos ovos de ouro. Revezes da fortuna. Ainda assim, os emigrantes lusos são os que mais dinheiro enviam ao país de origem. Uma mais-valia para a economia nacional, nem sempre paga na mesma moeda.
Durante várias décadas, os emigrantes abalavam nas pontas dos pés, sem fazer barulho. Aceitavam tudo o que lhes era imposto de ânimo leve (?). Não dominavam os números nem as letras, mas não tinham medo do desconhecido. Dormiam em qualquer lado e falavam a língua materna às escondidas. Trabalhavam de sol a sol por uma ninharia. Sentiam-se gratos pelo pouco que tinham porque já era muito mais do que alguma vez pensaram ter.
O mundo mudou e os emigrantes também. Deixamos de ter vergonha do que somos e de onde vimos. Trazemos na bagagem conhecimentos, diplomas, ideias, ousadia e sonhos. Lá fora, elogiam a nossa perseverança e dedicação. Mas deixar a pátria nunca é fácil. A vida não é um rio tranquilo. Ainda bem.
Dizem que a água não tem sabor nem cheiro Depende… Dizem que os rios vão dar ao mar Depende… Dizem que depois da vida só há morte Depende… Dizem que quando o sol dorme a lua desperta Depende… Dizem que um dia somos crianças e, de repente, chegamos a velhos Depende… Dizem que depois da tempestade vem a bonança Depende… Dizem que ninguém morre por amor Depende… Dizem que dois mais dois são quatro Depende… Dizem que a felicidade é uma ilusão Depende… Dizem que os sonhos não alimentam a vida Depende… Dizem que a arte não mata a fome Depende… Dizem que não há mal que dure para sempre Depende… Dizem que enquanto há vida, há esperança Depende… Dizem tanto e fazem tão pouco Depende…
Saudades, só portugueses conseguem senti-las bem porque têm essa palavra para dizer que as têm.
Fernando Pessoa
Tenho saudades do que em tempos fui e do que nunca serei Tenho saudades do que tenho e do que ainda não encontrei Tenho saudades dos que partiram Tenho saudades dos que ainda não chegaram Tenho saudades dos que foram e já não são Tenho saudades dos que, um dia, serão Tenho saudades dos fugazes encontros Tenho saudades dos eternos desencontros Tenho saudades das terras longínquas Tenho saudades das conversas ambíguas Tenho saudades daquele abraço Tenho saudades de repousar no teu regaço Tenho saudades da partilha e da comunhão Tenho saudades, de um dia, conseguir dizer não Tenho saudades da multidão Tenho saudades da solidão Tenho saudades da desconcertante felicidade Tenho saudades de ter saudade.
A minha casa é uma prisão Bonita, sofisticada, ordenada Com toalhas de linho, loiça de porcelana e copos de cristal. Com gente elegante e educada – As crianças? Não as ouço… – Não se preocupe, não há alvoroço
A minha casa é uma prisão Numas águas furtadas com uma vista deslumbrante E um gato sempre a brincar 16 metros quadrados para dormir, cozinhar, ler, escrever e meditar… Faço tudo para não pirar!
A minha casa é uma prisão O meu palacete, quer você dizer! No cimo de uma colina, na parte antiga da cidade Tanto espaço só para mim, A última da minha geração De repente, sinto-me mal, que aflição! O que me salva é o meu velho cão
A minha casa é uma prisão Onde dormimos, comemos e brincamos no chão Os adultos são a autoridade e têm sempre razão!
A minha casa é uma prisão Rodeada de areia branca e fina Adormeço ao som do mar E acordo com ele a dizer-me: Larga tudo e vem surfar!
A minha casa é uma prisão Com jardim, piscina, cave e sótão Onde todos se cruzam, mas ninguém se vê Cada um sofre em silêncio, mas porquê?!
A minha casa é uma prisão Feita de madeira e de pedra Vivo no meio da floresta Sem televisão, computador ou telefone Hoje lamento esta decisão!
A minha casa é uma prisão Com rodas e duas pequenas janelas Não posso circular, mas não faz mal Isto vai passar!
A minha casa é uma prisão Um quarto onde durmo por empréstimo Numa cidade fria e cinzenta E onde a chuva não dá tréguas
A minha casa é uma prisão E de porto em porto vivo O meu barco está atracado Para respeitar o que me foi pedido
A minha casa é uma prisão Lar nunca tive, sou nómada E os meus pertences cabem em duas malas Sou solitário e homem de poucas falas
A minha casa é uma prisão Sem porta nem janelas, Sem pessoas nem animais Todos os dias são domingos Preguiçosos, comuns, banais.
Por vezes sou mal interpretada Lêem-me os pensamentos de forma errada Não decifram em que me aplico Nem identificam o que comunico Mas isso pouco importa! Até o Todo Poderoso escreve certo por linha torta E eu não pretendo ser Deus (obviamente!) Mas protejo os meus Sempre!
Seja positivo, sorria. Mas não se esqueça de chorar de vez em quando, isso mostra que não é insensível. Liberte-se das pessoas tóxicas, mas não se afaste da família, mesmo que os mais podres sejam aqueles com quem partilha ADN. Faça o que gosta, mas enquanto não aparece o trabalho dos seus sonhos deixe-se ficar no atual porque sem dinheiro ninguém vive. Aprenda a dizer não, mas tenha um sim na ponta da língua. Pratique desporto, mas não seja escravo do seu corpo. Opte por alimentos saudáveis, mas evite ficar obcecado por tudo o que é “bio”. Mude de vida, mas sem dar nas vistas. Seja ousado, mas, acima de tudo, tenha medo. Muito medo.
Vivemos aterrorizados. O pânico controla as nossas vidas. Esta sociedade esquizofrénica e bipolar pensa ter a lição tão bem estudada que se recusa a pedir ajuda. Os problemas da mente não se resolvem no divã, escondem-se. Ou melhor, dissimulam-se nas fotografias publicadas nas redes sociais. E, às vezes, nem mesmo os mais atentos conseguem ver a mágoa por detrás do sorriso forçado. O psiquiatra só fica bem nos filmes de Hollywood. O importante é ter opinião sobre tudo, especialmente acerca do que não se sabe. Falar dos outros é a melhor desculpa para não falarmos de nós.
As mensagens não são descodificadas. Não há tempo. Hoje em dia é tudo rápido e com filtros. Fast food, fast job, fast love, fast life, fast death. Play it again? Game over. Queremos tudo aqui e agora. Somos escravos do tempo, mas esse grande senhor escapa-nos cada vez que ousamos desafiá-lo. Sentimo-nos frustrados quando as coisas não acontecem rapidamente. Ficamos desamparados perante o imprevisto porque não estamos programados para falhar.
Desde a mais tenra idade, somos formatados para o sucesso. Só os mais fortes conseguem vencer as adversidades da vida, dizem-nos. Como se a sensibilidade fosse um bicho raro que transmite um vírus mortal. Quem não encaixa no molde é posto de lado porque não há espaço para a diferença nem margem para as dúvidas. Preocupamo-nos, sobretudo, com a imagem que projetamos nos outros. O ter sobrepõe-se ao ser. Sofremos em silêncio para não incomodar.
São as adversidades da vida que nos fazem crescer. O longo rio tranquilo é demasiado brando para ensinar-nos seja o que for. O melhor capitão de um barco não nasce num mar calmo. Não importa quantas vezes caímos nem quantos erros cometemos. Só os imbecis é que nunca se enganam. Mas e se não soubermos levantar-nos? E se repetirmos os mesmos erros vezes sem conta? Continuaremos a cair e pediremos ajuda para voltarmos a ficar de pé. Trataremos das feridas deixadas pela queda e passaremos a sentir orgulho nas cicatrizes que outrora permaneciam escondidas.
A empatia, a criatividade, a resiliência, o respeito e o perdão não passam de moda, são intemporais. A felicidade é efémera, mas os momentos felizes podem colecionar-se a vida inteira. Basta estar disponível e aceitar-se como um ser extraordinário. Perfeitamente imperfeito. Deveríamos ser capazes de criar um fio invisível que nos une a todos os que valem a pena, desenhar uma bolha protetora contra aqueles que devemos evitar e apagar com uma borracha gigante tudo o que nos faz sofrer.
Mas se assim fosse, a vida não teria graça nenhuma, pois não?! Nem tudo é mau. Podemos criar mecanismos de defesa. Pôr-se a jeito no parapeito da janela e ver desfilar a pobreza de espírito é uma ótima maneira de evitar o confronto desnecessário. Sermos apenas espetadores da estupidez alheia requer treino, mas acreditem que vale a pena! Às vezes o silêncio é a única resposta possível.